Workshop com Hugo França
Cheguei cedo ao encontro marcado para ocorrer das 10h às 16h, próximo ao campo de futebol do Parque Ibirapuera. Havia umas poucas pessoas, um tanto acanhadas, rodeando o pessoal que ajeitava as serras elétricas para o trabalho pesado. De branco, em meio a eles, ouço uma voz e mão pronta ao cumprimento: “Prazer, Hugo”. Nosso primeiro contato foi fácil, meio tímido, e com a simplicidade daqueles apertos de mão do pessoal do interior. Seguiu-se gostosa conversa sobre as árvores floridas na cidade, espécies nativas, e o brinde que o sol nos fazia naquele dia. Não tardou muito a reconhecermo-nos conterrâneos, e aí então a conversa deslanchou.
Hugo França é natural de Porto Alegre, mas mudou-se na década de 80 para Trancoso, na Bahia, em busca de maior contato com a natureza. Foi lá que todo o seu potencial como designer/escultor aflorou, motivado pelo contato com os índios Pataxós da região. Foi lá, também, que Hugo conheceu o pequi-vinagreiro (Caryocar edule), árvore comum na Mata Atlântica baiana, mas pouco útil na marcenaria usual por sua madeira irregular.
Pequi-vinagreiro (via https://www.flickr.com/photos/fabiocoppola)
Hugo nos conta, carinhosamente, sobre a árvore que é a sua principal fonte de matéria-prima: “O pequi chega à idade adulta com 200 anos e vive até 1,2 mil anos ... tem uma grande durabilidade pelo fato de ser uma madeira resinosa. O apodrecimento é muito mais lento, por isso os pataxós o usavam para construir as embarcações. E é por isso também que encontro esses resíduos, pois essa umidade faz com que o pequi seja resistente às queimadas.”
Mas engana-se quem pensa que o pequi é a única estrela do seu atelier. Hugo utiliza praticamente qualquer resíduo florestal e urbano - árvores condenadas naturalmente, por ação das intempéries ou pela ação do homem - e estima que, somente na cidade de São Paulo, mais de três mil árvores tombem a cada ano, seja por força de ventos e raios, seja por velhice mesmo. O sonho de Hugo, já renomado designer de fama internacional, é que todo esse resíduo urbano seja reaproveitado ao seu máximo, voltando na forma de mobiliário público, prestando serviço à população. Além das “esculturas mobiliárias”, como define o seu trabalho, a intenção é reaproveitar a madeira em sua totalidade, confeccionando desde pequenos itens decorativos e mesmo utilizando a serragem que sobra nas suas oficinas. Outra ideia que pretende tirar do papel é a criação de uma escola de marcenaria especializada no reaproveitamento de resíduos florestais: uma ação educacional, que formaria jovens aprendizes engajados com a bandeira do ecodesign.
Abaixo o processo de fabricação de um dos bancos feitos durante o worshop, com restos de pinus existentes no próprio parque Ibirapuera:
Outro conceito apresentado durante o workshop, enquanto a serra elétrica desafiava nossa audição, foi o conceito de sequestro de carbono. É de amplo conhecimento hoje que as emissões de CO2 na atmosfera, através principalmente da queima de combustíveis fosseis, constituem o principal causador do efeito estufa. Outras formas de produção de dióxido de carbono são através das queimadas e da decomposição de material orgânico no solo. E é aí que entram as florestas, na contramão dessa emissão toda. As florestas (e todos os seres fotossintetizantes) são as grandes responsáveis pelo sequestro do carbono, ou seja, a transferência desse carbono da atmosfera para a biosfera, onde é armazenado na forma de glicose, amido e, principalmente celulose. Em fase de crescimento, as árvores são verdadeiros aspiradores de CO2 da atmosfera: o tronco de uma árvore é 80% composto de carbono, portanto não é de admirar que elas suguem, por hectare, 150 a 200 toneladas de CO2 do ar.
Hugo lembra que, à medida que todo este resíduo urbano e florestal é descartado, queimado ou decomposto naturalmente, todo este carbono que fora fixado pela árvore, volta agora para a atmosfera, intensificando o efeito estufa. O ecodesign que ele prega, pode não ser a única saída mas é uma das mais eficazes, à medida que propõe o total reaproveitamento dos resíduos gerados na cidade, aprisionando o carbono por tempo indeterminado.
Para quem ainda não conhece a obra do Hugo, e quiser ver com seus próprios olhos, as “esculturas mobiliários” estão expostas no Museu da Casa Brasileira até o dia 19 de outubro de 2014. Vale a visita!